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Primavera de Praga |
Setembro de 1968, enquanto o mundo estava
siderado nos acontecimentos da Primavera de Praga encabeçada pelo reformista
Aleksander Dubchek, na escalada da Guerra do Vietname no Sudoeste Asiático, ou
no assassinato de Robert Kennedy, o Portugal de Salazar lutava contra os ventos
da história, na esperança de ganhar tempo e aliados na sua politica africana, tentando
reverter o status-quo a seu favor. Contudo, não foi por essas razões que no
final do verão de 1968 o país mais velho da europa se tornou manchete à escala
global, mas sim, pela festa que o milionário boliviano Antenor Patiño planeara
dar na sua quinta em Alcoitão. Esse evento social que colocou Portugal no
roteiro do jet-set internacional era comentado de boca em boca, nas mesas dos
cafés e até nos círculos políticos. E não era para menos! Afinal de contas, o
milionário ousou chamar-lhe a "Festa do Século" e passou anos a
prepara-la.
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Antenor Patiño |
Mas quem era Antenor Patiño?
Filho de
Simón I Patiño, nascido em 1860 tornar-se-ia em finais do século XIX, inícios
de XX, no “Rei do Estanho”. Aparentemente existem duas versões de como Simón conseguiu
aquilo que todos (ou quase todos) desejam neste mundo: ser rico e famoso. Simón
era um modesto empregado de uma loja na cidade de Cochabamba, certo dia
entrou-lhe pela loja dentro um cliente sem dinheiro querendo saldar uma pequena
divida com um título de propriedade de uma mina sem valor. O empregado acedeu a
esse pedido, mas o seu patrão ficou furioso, despedindo-o na hora. Em vez de lhe pagar a indeminização a que
tinha direito, deu-lhe a mina. Numa outra versão Simón era o dono dessa loja e
usou as suas economias para comprar um titulo de propriedade de uma mina. O
certo é que nessa mina Simón Patiño descobriu estanho, minério que na época estava a ganhar valor de
mercado devido a ser uma matéria-prima cada vez mais procurada pelos diversos
usos que tinha na industria. Nos anos seguintes criou o Banco Mercantil (cujo
capital era maior que o Orçamento de Estado boliviano) e foi comprando as minas
de estanho da Bolívia tornando-se assim no “Rei do Estanho”. Antenor Patiño
nasceu em 1896 era o filho mais velho de Simón e acabou por herdar uma fortuna
calculada em 200 milhões de dólares, o seu casamento em 1931 com Maria Cristina
de Borbón, não foi pacifico e fez correr muita tinta nos jornais e imprensa cor
de rosa. Pertencente à família real espanhola, Maria Cristina pôs um processo
em tribunal contra Antenor por abandono do lar logo nos anos 40. O processo de
divorcio arrastar-se-á pelos tribunais de Paris, Madrid, La Paz e Nova Iorque
por mais de 20 anos, até que no México
as aspirações de Patiño foram ouvidas e o divorcio foi consumado, ignorando
todos os processos pendentes nos outros tribunais. Entretanto, em 1952, a
revolução ocorrida na Bolívia nacionalizou todos os bens da família e Patiño
foi obrigado a sair do país. Decidiu visitar Portugal, apaixonando-se pela
Costa do Sol, que à época era ainda porto de abrigo de nobres e aristocratas
fugidos aos horrores da Segunda Guerra Mundial. Em Alcoitão encontrou o lugar
ideal para construir o seu palácio inspirado na arquitectura portuguesa do
século XVIII, num terreno que foi crescendo até à dimensão final de 50
hectares. Era ali que Antenor Patiño passava pelo menos dois meses por ano,
saboreando o suave verão da Costa do Sol. E era também ali que planeava dar a
Festa do Século, por forma a apresentar Beatriz de Rivera como sua esposa a
todo o high-life internacional.
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Vista aerea da Quinta do Patiño |
Para se ter uma noção do que era por essa
época a Quinta de Alcoitão, sem maçar muito o leitor aqui fica uma breve
descrição: possuía uma sala de
bowling, uma sala de cinema, uma sala para sauna e massagens, uma discoteca,
uma imitação da biblioteca joanina da universidade de coimbra, uma pequena casa
para as crianças brincarem, um vale com oliveiras, um court de tenis, uma
estufa com flores, outra com plantas, uma capela do XVI que fora trazida de uma
aldeia do norte de Portugal e construída de novo na propriedade, uma
coudelaria com pistas de aquecimento de saltos e de corridas, uma enorme vinha,
dois lagos, uma piscina, um jardim suspenso com 37 canteiros, um campo de
golfe, pomares, uma mata extensas plantações de arvores de fruto, e ainda cães,
vacas, peixes de aquário, faisões e aves de capoeira, além de uma gigantesco
batalhão de 150 empregados!
Porém nesse verão de 1968 Portugal transformou-se, como que por toque de magia,
num país de festas e bailes dançantes, às quais ninguém queria faltar, quer
fossem figuras do jet-set nacional ou internacional. A 3 de Setembro D. Maria
Amélia de Mello (neta de Alfredo da Silva e uma das duas irmãs dos empresários
Jorge e José de Mello) ofereceu na sua residência um almoço intimo a algumas
das individualidades estrangeiras que se encontravam em Portugal para assistirem
às festas das famílias Schumberger e Patiño. Dos 80 convidados saliente-se a
presença de Cristina Ford (mulher de Henry Ford II), o estilista Givenchy,
Maria Biatriz de Saboia e a esposa do sr. Niarchos (o grande rival de Onassis
no mundo da navegação). À noite os Duques do Cadaval resolveram dar uma festa
intima para 130 convidados tendo escolhido a Estalagem do Muchaxo para o
efeito. Estiveram presentes figuras como a actriz Capucine, Henry Ford II, os
Condes de Manique, o próprio Antenor Patiño e muitos outros que iriam
abrilhantar as festas seguintes.
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Estalagem do Muchaxo |
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Audrey Hepburn e Doris Brynner |
No dia seguinte chegou Aeroporto de Lisboa, a elegantíssima Audrey Hepburn,
trazendo por companheira de viagem Doris Brynner (mulher do actor Yul Brynner).
Nessa época, o casamento de Audrey com o actor Mel Ferrer estava a chegar ao
fim, vivendo vidas separadas. Assim enquanto o marido se encontrava em Londres
em filmagens, Audrey achou uma optima ideia vir conhecer Portugal e divertir-se
um pouco, pondo de lado os seus problemas conjugais. Nas horas seguintes
chegaram a Portugal, Begun Aga Khan, Gina Lollobrigida, o pintor Vidal y
Quadras, a condessa de Douciev, Sr. e Sra. Newhouse (proprietários da Revista
Vogue) entre um rol quase interminável de outras figuras do jet-set
internacional, que esgotaram a capacidade hoteleira de luxo em Lisboa e no
Estoril.
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Quinta do Vinagre |
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Pierre e São Schlumberger |
À noite todas elas se encontrariam na Quinta do Vinagre, situada em Colares,
palco da festa Schlumberger (Pierre e Maria Conceição que era de origem
portuguesa). No seu solar do Séc. XVI que outrora foram propriedade dos Condes
de Mafra mandaram construir de propósito um pavilhão que estava avaliado em
milhares de contos. As colunas que o sustentavam eram de mármore e os espelhos
tinham vindo de França, quanto às fardas do empregados seriam azuis com botões
em prata! O Hotel Ritz forneceu a comida. As flores que decoravam faustosamente
todo o pavilhão vieram de Paris, isto porque Antenor Patiño comprou praticamente
todas as flores existente no mercado nacional para decorar a sua festa. Ao
longo de toda a noite os 1400 convidados foram animados por duas Orquestras até
à debandada dos últimos convidados, coisa que aconteceu por volta das 7 horas
da manhã do dia seguinte.
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O Pavilhão da Festa do Vinagre à noite |
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Manoel Vinhas na sua Herdade |
No dia seguinte foi a vez do empresário
Manoel Vinhas (abastado industrial ligado ao sector cervejeiro) dar também ele uma
festa. Localizada em 200 quilómetros de Lisboa, a Herdade do Zambujal em Águas
de Moura, foi placo da única "festa à portuguesa". Os convidados eram
recebidos por uma guarda de honra feita por campinos que seguravam os cavalos à
mão, sendo os convidados direccionados para o «tentadero». Ali os convidados
poderam apreciar Luis Dominguin (já afastado do mundo tauromáquico) a dar um ar
da sua graça a liderar bezerros. O transporte dos 600 convidados que se
encontravam no «tentadero» foi efctuado por meio de camionetas. Chegados ao
arraial os foliões foram recebidos por duas charangas, no rio que ficava
sobranceiro à Herdade uma barca com um grupo de alentejanos vestidos a rigor
cantava modas. Flores da Madeira decoravam o espaço dando-lhe uma frescura
única, na zona de jantares, um tecto feito em colmo protegia os convidados da possível
humidade nocturna. Na ementa constavam sardinhas, croquetes e caldo verde,
servidos em louça de barro e acompanhadas por canecas com água pé. As mesas
estavam enfeitadas com toalhas aos quadrados. No arraial havia de tudo,
barraquinhas de tiro, um macaco farturas, e um sem número de outras coisas que
fizeram as delícias dos convidados. Claudine de Cadaval, Audrey Hepburn,
Givenchy, Ratna Dewi (ex mulher de Sukarno, Presidente da Indonésia), Douglas Fairbanks
Jr., Ira Furstenberg, ficaram encantados e no final qualificaram-na de
«Extraordinária», «Sensacional», «Única», «A Festa das Festas». Porém a maior e
mais aguardada de todas as festas teria finalmente lugar no dia seguinte.
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Audrey no «tentadero» da Herdade do Zambujal |
Ao princípio da tarde do dia 6 de Setembro
a actriz Zsa Zsa Gabor aterrou no Aeroporto de Lisboa seguindo directamente
para o Hotel Ritz. A essa hora Antenor Patiño fiscalizava tudo ao pormenor para
que nada falhasse na festa. O milionário não se poupou a gastos, tudo foi pensado
ao mínimo detalhe. Patiño foi consultar especialistas da meteorologia para se
assegurar que nesse dia não chovia. Contudo, por precaução. resolveu contratar
por 70 mil dólares uma equipa de técnicos americanos que montaram um pequeno observatório
na Serra de Sintra, ao mesmo tempo que mantinha um avião de prevenção pronto a
descolar para lançar um produto nas nuvens caso houvesse ameaça de chuva. O faqueiro de «christofle» foi adquirido em
Paris pela soma de 2500 contos, foram também adquiridos pratos em prata estilo
Séc. XVIII no valor de algumas centenas de contos, bem como oito grandes frigoríficos,
quatro congeladores de grande capacidade e seis fogões industriais. Foram
contratados dois especialistas franceses para tratarem das iluminações dos jardins.
Num dos lagos foi montado um dispositivo que regulava a intensidade das luzes e
os repuxos de água consoante o som da música. Foi ainda construída uma gruta
artificial com o propósito de servir de discoteca, tendo por dimensões, 25
metros de largura, 10 metros de altura e deslumbrantes efeitos de luz e som,
sendo servida por dois bares. Patiño não queria que nenhum sapato dos
convidados se estragasse e para isso mandou cobrir os terraços e os jardins da
Quinta de Alcoitão de alcatifa vermelha, trabalho esse encomendado à CUF claro
está...uma estravagância que lhe custou nada mais nada menos do que 500 contos!
Aliás num rasgo de genialidade e explorando o mediatismo do acontecimento
social, a CUF mandou publicar em diversos jornais do dia 7 de Setembro um
anuncio onde era referida a colocação por pessoal técnico da empresa dos cerca
de 3 mil metros de alcatifas no tempo record de apenas trêsdias.
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Anuncio da alcatifas da CUF |
Um conjunto
de lanternas de ferro forjado custaram 700 contos, e os dois mil quilos de
flores que incluíam 300 dúzias de gladíolos, 200 dúzias de cravos e rosas e 200
dúzias de dálias chegaram aos 300 contos. O anfitrião explicou aos técnicos da
Romeira (empresa florista nacional especialista em eventos deste tipo) que não
queria ramagens prateadas ou douradas e só queria usar flores portuguesas. Na
cozinha o chef Luís Carolino preparava uma ementa composta por Salmão farci e
trutas salmonadas do Rio Minho, filetes de linguado e espargos glacés, boulantine de
galinha au homard, frango e jambom glacés, presunto de
Chaves e outras especialidades portuguesas, corbeilles de
frutas de Portugal e vinte qualidades de doces -charlottes, tortas várias,
pastelaria francesa, petits-fours, parfaits, sorvetes diversos e D. Rodrigos do
Algarve. Encomendou cerca de 1800 garrafas de champagne Perrier-Jouet bem como 600
garrafas de whisky das marcas White Horse, Ballantines e Highland Queen.
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Populares aguardando as celebridades da Festa Patiño |
Ao inicio da noite à beira da estrada que
ligava Alcoitão a Sintra, começaram a juntar-se muito curiosos que foram
cercando os portões da Quinta para ver a chegada do high life nacional
e internacional. Entretanto Antenor Patiño vestiu o seu smoking branco e
juntamente com a esposa Beatriz dirigiram-se para a entrada da Quinta para ali
esperar os seus convidados. Ia ser uma noite longa estavam confirmados cerca de
1800 convidados, dos quais encontravam-se todos os que foram referidos nas
festas anteriores bem como Raimundo Orsini (o mais belo playboy do mundo), Zsa
Zsa Gabor, o actor Curd Jugens, Stavros Niarchos, Gunter Sachs (marido de
Brigitte Bardot), a actriz Maria Félix, membros das familias Rockfeller e
Rothschilds, Pierre Cardin, Valentino, o industrial italiano Paollo Marinotti.
Do lado português estiveram figuras da sociedade como Vera Lagoa, João Coito,
Mary Espírito Santo, Amália Rodrigues, Francisco Pinto Balsemão, o banqueiro
Jorge Espirito Santo Silva, os Viscondes de Soveral, membros das famílias Sousa
Lara e Champalimaud, o empresário Jorge de Mello acompanhado da esposa Maria
Eugénia entre muitas outras figuras nacionais. A cobertura jornalística
internacional do evento foi garantida pelas equipas de reportagem da Times, Paris
Match e pela Oggi. Às duas da manhã as orquestras que
até aí abrilhantavam a festa calaram-se e alguém disse em voz alta "Vai
começar o fogo de artificio!". O fogo de artificio foi deveras espectacular,
espantando e deslumbrando todos quantos na festa assistiram a ele, contudo a
intensidade foi tal que provocou um incêndio nos pinhais da propriedade, ao
qual os bombeiros souberam dar uma rápida resposta. Às 4 da manhã os convidados
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Jorge de Mello e sua esposa |
passaram da pista de dança para um dos lagos da propriedade, local onde puderam
apreciar as «marchinhas» da orquestra do brasileiro Sílvio Silveira. Havia
ainda a discoteca para onde se dirigiram todos os «românticos», termo utilizado
pela imprensa, devido à envolvência do local, construído para imitar uma gruta.
A festa terminou já o Sol ia alto, os empregados começaram a servir o pequeno
almoço junto da piscina de agua aquecida. Alguns dos convidados terminaram a
festa com um valente mergulho, e até para isso Antenor Patino estava preparado,
tendo encomendado na América fatos de banho de papel. Pelas 8 horas os
convidados regressavam às casas onde se encontravam hospedados ou para os seus
quartos de hotel. Terminavam assim os dias frenéticos em que Portugal foi palco
mundial de algumas das maiores festas de sempre, mas não terminava apenas isso.
Na manhã do dia 7 de Setembro, o país acordou com a noticia de que na noite
anterior, o Presidente do Conselho tinha sido operado de urgência no Hospital
da Cruz Vermelha, devido a um traumatismo craniano do qual nunca recuperou. Era
o princípio do fim do salazarismo.
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Um aspecto da Festa Patiño ao amanhecer |
E agora diga-me o leitor, valeu ou não
valeu apena ler este post até ao fim? É certamente muito diferente de todos
aqueles que tenho escrito, mas é impossível ficar indiferente a tais eventos.
Ainda hoje a uma distância de 50 anos fascinam e abrem-nos a boca de espanto
não só pela sua espetacularidade como pelo seu glamour e ate originalidade. E a
tudo isto podemos ainda juntar a presença discreta das alcatifas da CUF... e do
seu líder.