sábado, 7 de abril de 2018

O lançamento à agua do navio «São Macário»

Enquanto meio mundo se digladiava num terrível conflito à escala mundial, Portugal felizmente via a guerra a passar-lhe ao lado. Porém os ecos da guerra faziam-se sentir na vida de todos, racionamento de bens alimentares, escassez de matérias-primas, o ambiente é tenso e surgem greves na cintura industrial de Lisboa. Porém nem tudo são nuvens negras no horizonte a comprová-lo estão as palavras que se seguem.


Cartão de Convite do Estaleiro Naval da CUF

O dia 26 de Janeiro de 1944 nasceu soalheiro, fazendo certamente esboçar sorrisos de contentamento por ente os responsáveis da CUF e da Sociedade Geral. No Estaleiro Naval da A.G.P.L. (arrendado à CUF desde Janeiro de 1937) fazem-se os últimos preparativos para a cerimónia de lançamento de mais um navio à água: o São Macário. Junto à sua proa foram erguidas duas tribunas, uma para os elementos oficiais e outra destinada aos convidados. 


Vista Aérea do Estaleiro da A.G.P.L.

Pouco depois das 15 horas, uma força de marinha com a respectiva banda de musica alinhou a um dos lados da porta leste do Estaleiro, junto à Central da Carris (onde hoje se encontra a Adega do Kais). Foram muitos os convidados que, pouco a pouco, iam chegando ao local da cerimónia: Ministros da Marinha, Economia e Colónias, sub-secretários de Estado das Obras Públicas e do Comércio, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Major General da Armada, Governador Militar de Lisboa, Presidente da Junta Nacional da Marinha Mercante (que à época era presidida por Américo Thomaz), directores das Companhias Colonial e Nacional de Navegação, (Bernardino Correia e Jaime Thompson) Carregadores Açoreanos (eng. Gago Medeiros), Empresa Insulana de Navegação (Vasco Bensaúde) para além de uma lista mais extensa que seria de fastidiosa leitura. Os convidados foram recebidos por D. Manuel de Mello, Aulânio Lobo (gerente da Sociedade Geral), Vasco de Mello (Director do Estaleiro). eng. Sá Nogueira (Administrador do Porto de Lisboa) engs. Sousa Mendes, Américo Rodrigues, Almiro Martins e mestres Peres e Ramos que tomaram parte na direcção dos trabalhos de construção do «São Macário».
  ÀS 16 horas em ponto chegou o General Carmona acompanhado do general Amílcar Mota e do capitão Carvalho Nunes da casa militar da Presidência. Depois de passada a respectiva revista à guarda de honra, o Chefe de Estado subiu á tribuna onde a convite de D. Manuel de Mello, o General Carmona deu com um pequeno martelo a pancada no aparelho que impeliu a garrafa de champagne contra o navio, fazendo-o deslizar pela carreira de construção até à agua.


Carmona no momento de impelir a garrafa de champanhe contra o navio



Por entre salvas de palmas, o toque das sereias dos navios e «A Portuguesa» tocada pela banda da Armada, o «São Macário», desliza suavemente pelas calhas da carreira até às águas do Tejo. Os operários do estaleiro que se encontravam a bordo do navio agitavam os seus bonés em sinal de regozijo.


Foto do lançamento à água do «São Macário»


De seguida D. Manuel de Mello usou da palavra começando o seu discurso com estas interessantes palavras:


D. Manuel de Mello discursando

"Ao tomar a C.U.F., em 1 de Janeiro de 1937, posse da exploração dos estaleiros da Administração Geral do Porto de Lisboa, o sr. Alfredo da Silva, meu saudoso sogro, espirito da elite, ao qual devem todas as industrias do país e que à construção naval se dedicou com entusiasmo, tendo sido nos estaleiros do Barreiro o iniciador em Portugal da construção de navios em ferro..."


Deixem-me abrir aqui um parenteses para referir que de facto este estaleiro existiu, localizado no porto privativo do Complexo da CUF no Barreiro. Foi criado com o fito de dar apoio à emergente frota da Sociedade Geral, sendo ali fabricados rebocadores (como o Estoril em 1931) e navios (como o Costeiro II em 1933, sendo à época o maior navio mercante em ferro construído em Portugal). Em 1937 com a concessão do Estaleiro do Porto de Lisboa à CUF, as suas actividades cessam, sendo transferidas na totalidade para a Rocha Conde de Óbidos.

 Mais à frente no seu discurso D. Manuel de Mello irá afirmar que Portugal "...precisa na realidade de aumentar a sua frota mercante. Todas as províncias ultramarinas necessitam contacto directo e frequente com a Metrópole. É indispensável que a bandeira portuguesa volte a flutuar nos barcos que hão-de aproar à India, a Macau, Timor e também às nações onde temos colónias populacionais importantes, como o Brasil e os Estados Unidos da América do Norte. 
Alguma coisa têm feito já os armadores no que se refere ao aumento das frotas. É, porém pouco por enquanto, para o necessário. Mas mais não era possível fazer. 
Os recursos são poucos e a Marinha Mercante portuguesa não se tem aproveitado da guerra para amealhar fartos proventos. 
Permito-me em nome dos armadores...pedir a V. Exa., sr. Presidente e a V. Exas. srs. Ministros que olhem para a Marinha Mercante não só com o carinho posto em tudo quanto é de interesse nacional, mas que a tratem com desvêlo e os cuidados especiais que merece, a um pai, o filho doente.
Muito doente mesmo.
À insuficiente mas incansável Marinha Mercante nacional se deve, na hora difícil e atribulada que atravessamos, ter proporcionado ao país, numa faina esforçada e constante, parte do indispensável à nossa alimentação.
Já por essa demonstrada insuficiência, já pelo trabalho aniquilante que se lhe tem exigido, impõe-se a construção de mais barcos, construção que deve ser levada a efeito em Portugal, desde que tenhamos operários e engenheiros competentes. 
Terão de modificar-se os estaleiros, designadamente este da Administração do Porto de Lisboa, para que seja possível construírem-se navios de maior tonelagem do que até aqui, mas e desideratum nacional do desenvolvimento da frota mercante portuguesa só se conseguirá desde que se restabeleça, mas em condições interessantes, um subsídio à construção, aliviando-a também de encargos que sobre ela hoje pesam."

Estas satisfações seriam concedidas aos armadores no ano seguinte com o chamado Despacho 100 da autoria de Américo Thomaz então Ministro da Marinha. 

No final do seu discurso D. Manuel de Mello irá justificar o nome dado ao navio: "Tomou este novo barco o nome de «São Macário», santo patrono dos caldeireiros e, assim prestamos homenagem ao esforço e boa vontade demonstrada pelos operários nas construções que temos realizado neste estaleiro". 





Este navio esteve ao serviço da Sociedade Geral até 1972, ano em que transita para a CNN com a fusão destas duas companhias. Em 1974 será vendido à Componave sendo rebaptizado de «Silmar»

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