terça-feira, 22 de agosto de 2017

Alfredo da Silva faleceu há 75 anos



Para o espírito inquieto de Alfredo da Silva nada melhor do que celebrar os 75 anos do seu desaparecimento, com o legado da sua obra muitas vezes multiplicada e alargada pelos seus sucessores, nas pessoas de D. Manuel de Mello, e Jorge e José Manuel de Mello. 

Em 1971, quando passavam respectivamente 100 anos do seu nascimento e 29 anos da morte do seu criador e patrono, a CUF decidiu dedicar-lhe um filme documentário intitulado "Um Homem, uma Obra" 

É um filme de 17 minutos, a cores, com realização de Alfredo Tropa e Eduardo Elyseu, produção de Fernando Almeida, Direcção de Produção de Baptista Rosa, Fotografia de Elso Roque, Sonoplastia de Raul Ferrão e com a locução de uma voz inesquecivel da rádio e da televisão da época: Pedro Moutinho.

Na parte inicial deste documentário é feita uma sintese da revolução social e industrial  bem como da introdução de novas tecnologias até à primeira guerra mundial, feito através de figuras e fotografias. Daí por diante centraliza-se na figura de Alfredo da Silva recorrendo a fotografias da época do grande industrial, versus a moderna realidade apartir de vistas aéreas do que era o complexo em 1971, tratamento de cinzas de pirite, UFA, Metalurgia do Cobre, Caldeiraria, etc.

Para além da CUF são ainda apresentadas imagens da Lisnave, Sociedade Geral, Compal, Tabaqueira, Tinco, Teledata.

Refira-se ainda os interessantes testemunhos de Carlos Rei, Luis Almeida Guerreiro, José Rodrigues dos Santos, sobre a figura de Alfredo da Silva

Mas detenhamo-nos por algums momentos nas duas primeiras figuras, que referi pois têm a sua importância para a CUF, apesar de pouco conhecidas pela maioria das pessoas.

Carlos Rei - o homem que salvou a vida a Alfredo da Silva em Leiria em 1921. Portugal vivia por essa época um periodo bastante conturbado, quer a nivel social, politico e economico, face aos reflexos ainda latentes do grande conflito mundial. A 19 de Outubro desse ano eclodiu em Lisboa um movimento que ficou conhecido pela "Noite Sangrenta", no qual forças radicais de esquerda afectas à GNR e à Marinha, desencadearam uma tentativa de golpe de estado, tendo sido assassinados António Granjo, Machado dos Santos, José Carlos da Maia, entre outras figuras, na ainda hoje misteriosa "camioneta fantasma"  que andou a deambular pelas ruas de Lisboa nessa madrugada. Avisado que o seu nome constava nas listas de pessoas a abater, Alfredo da Silva decide apanhar o comboio rumo ao exílio em Espanha, voltando a viver em Portugal somente apatir de 1927 após a instauração da Ditadura Militar. 

Mas sobre este episódio nada melhor que transcrever o depoimento que este senhor deu à Revista Flama a 25 de Junho de 1971:  «Estávamos em Outubro de 1921. Alguns dias depois do "19 de Outubro". Eu era segundo-sargento de Infantaria 7. Tinha vindo de França. Da Guerra.», começa a contar o septuagenário de cabeça já branca, mas voz ainda forte, relembrando, amiúde, que já lá vão cinquenta anos. Cinquenta anos que, agora, lhe confundem um tanto as ideias. Todavia, vai dizendo com orgulho: «Naquela altura havia duas facções. Era a democratica e a outra, a contrária, a anti democrática. Eu pertencia a esta, a do Governo. Residia em Leiria, e fora nomeado um novo governador civil. O povo, por seu lado nomeara um administrador de concelho (ainda existia o cargo nesse tempo) ilegalmente porque tal competia ao governador. Era um tal tenente Lopes que a facção democrática queria para administrador. Ele estava colocado fora de Leiria, e mandaram-lhe um telegrama para se apresentar na cidade. Convergiu tudo para a estação dos caminhos-de-ferro. Também fui com os do meu grupo, para impedirmos que o tenente Lopes tomasse posse.
  Acontece que Alfredo da Silva viajava no mesmo comboio a caminho de Espanha, do exílio, soube mais tarde. O tenente Lopes, apercebendo-se que ele estava no comboio, começou a denunciá-lo àquela multidão. Alfredo da Silva, então assomou a uma das portas e disse: "Alfredo da Silva sou eu. Que me querem?". Estabeleceu-se a confusão, e daquela turba partiu um tiro que o atingiu. Agarram-no e meteram-no numa camioneta para o levar para o hospital. Fui nela com mais outros rapazes e, numa praça da cidade (a de Rodrigues Lobo) fomos assaltados pela multidão. Pegaram em Alfredo da Silva e atiraram-no para o chão. Desci da camioneta, era novo , e opus-me a que o agredissem de maneira bárbara. Ainda levou alguns pontapés. Acabavam de o matar se não tenho sido eu e mais alguns rapazes. Ainda surgiu um sapateiro com uma caçadeira carregada com zagalotes. Só tive tempo de levantar a espingarda e o tiro partiu para o ar. A multidão enfureceu-se mais, atiraram-se a mim e, no meio daquilo tudo, apareceu o comandante de Infantaria 7, coronel Oliveira - era boa pessoa - que me defendeu e ordenou o transporte do senhor para o hospital.
 Três dias depois Alfredo da Silva chamou-me ao hospital e, diante do coronel Oliveira, agradeceu-me o que eu lhe tinha feito e disse-me para lhe pedir o que quisesse. Respondi-lhe que nada queria, porque o que tinha feito a ele, tê-lo-ia feito a qualquer outra pessoa. Nem mesmo sabia quem era o senhor. Mais duas vezes me chamou para agradecer e para eu lhe dizer o que queria que fizesse por mim. Da última indagou das possibilidades de eu sair da vida militar e se queria ir para a CUF. Nessa altura, mandei perguntar para uns familiares em Lisboa quem era Alfredo da Silva e o que era a CUF. Disseram-me que a CUF era uma empresa grande e ele um grande industrial, etc. Então agradeci-lhe o oferecimento e aceitei. No dia um de Novembro apresentava-me ao trabalho no Barreiro, como encarregado do Cais. Reformei-me há doze anos como tesoureiro do estaleiro naval. Ao senhor Alfredo da Silva vi-o algumas vezes na sede, mas de vez em quando visitava as secções. Está claro que nunca mais falámos sobre esse assunto. Ele era uma pessoa muito especial.»

Luis de Almeida Guerreiro - um dos pioneiros da empresa, admitido a 1 de Dezembro de 1908, serviu-a com extrema dedicação durante 55 anos! Iniciou a sua carreira na Fábrica Sol, porém passados apenas 3 anos, Alfredo da Silva chamou-o para ir dirigir a nova fábrica de extracção de azeite de bagaço no Barreiro para onde se mudou definitivamente. O seu primeiro vencimento foi de 35 escudos mensais na Fábrica Sol, e quando foi transferido para a outra margem do Tejo passou a receber 50 escudos, casa, água, luz e lenha. Em Janeiro de 1915 assumiu as chefias das Construções onde se manteve durante 44 anos! Teve também a seu cargo durante largos períodos a direcção de algumas actividades relacionadas com a obra social da Empresa, como a Dispensa, a Padaria e os Refeitórios sendo ainda Chefe dos Serviços de Incêndios. Desempenhou cargos directivos no Grupo Desportivo da CUF, tendo sido Presidente da Assembleia-Geral durante 8 anos e de Presidente da Direcção do Clube em 1948. 

     
E resta-me terminar com a frase que remata este filme, que de facto sintetizava tudo aquilo que era o pensamento da Empresa nos inicios da década de 70:

"Está ali um embrião de novas técnicas e de maior riqueza. Está ali um Futuro melhor. Hoje, prepara e convive com o Amanhã"

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